segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Música

    “Estavam a tocar a Sonata Kreutzer, de Beethoven. Conhece o primeiro presto? Conhece? – exclamou. – Ooh!... Esta sonata é uma coisa terrível. Precisamente esta parte. E a música em geral. O que é isso? Não compreendo. O que é a música? O que é que ela nos faz? E porque é que faz o que faz? Dizem que a música provoca um efeito sublime na alma… Mentira, absurdo! Provoca um efeito, um efeito terrível (estou a falar de mim), mas não sublime. Não age na alma de modo sublime nem humilhante, mas de modo excitante. Como lhe hei-de explicar? A música faz-me esquecer de mim próprio, da minha verdadeira situação, transporta-me para outro espaço qualquer que não é o meu: a música parece que me faz sentir o que na verdade não sinto, que me faz compreender o que não compreendo, parece que, com a música, posso fazer o que na verdade não posso. Explico-o assim: o efeito da música é como o do bocejo ou do riso; não tenho sono mas bocejo quando olho para alguém a bocejar; não tenho motivos de riso mas rio quando ouço alguém a rir-se.
     A música transfere-me de imediato para o estado de espírito do músico quando a compôs. Fundo-me na alma dele e, juntamente com ele, transporto-me de um estado para o outro, mas não sei por que o faço. O homem que compões, digamos, esta Sonata de Kreutzer, Beethoven, sabia o porquê desse seu estado, um estado que o levou a praticar determinados actos, logo um estado que tinha sentido para ele mas que, para mim, não tem qualquer sentido. Por isso, a música apenas excita, mas não determina. Bom, se tocam uma marcha militar, os soldados marcham, a música aqui determina alguma coisa; se tocam uma dança, dançamos, e tudo está definido; cantam uma missa, comungamos, também está definido. Mas aqui apenas há a excitação, e não se torna claro o que devemos fazer neste estado de excitação. Por isso a música é tão assustadora, por isso causa tantas vezes um efeito pavoroso.”

A Sonata de Kreutzer, Lev Tolstói (1889)

Sem comentários:

Enviar um comentário